Imagine-se em uma reunião de trabalho tensa: um colega expressa uma opinião desafiadora e, instantaneamente, seu corpo entra em estado de alerta. O coração dispara, pronto para lutar, fugir ou se paralisar – reações ancestrais de sobrevivência. Contudo, as normas sociais impõem contenção. Internamente, é como pedir para o corpo pisar vigorosamente no acelerador da sobrevivência e, ao mesmo tempo, no freio do comportamento social. Essa dissonância gera uma profunda incoerência interna e pode inundar o organismo com hormônios do estresse. Neste estado, a clareza mental pode ceder lugar à autopreservação, a confiança se esvair e a conexão genuína com os outros se tornar um desafio.

Esse tipo de experiência, multiplicada ao longo de dias e semanas no turbilhão da era digital – onde a conectividade é constante e as demandas cognitivas são incessantes – pode levar a um estado de alerta prolongado. Este cenário, frequentemente denominado «tecnoestresse» (Al-Maroof et al., 2024), não é apenas uma sensação passageira; ele desencadeia processos fisiológicos complexos. Para entendê-los, precisamos conhecer a homeostase (a busca do corpo pelo equilíbrio) e a alostase.

Proposta por Sterling e Eyer e popularizada por Bruce McEwen, a alostase é o processo ativo pelo qual o corpo mantém a estabilidade através da mudança, adaptando-se para lidar com estressores (McEwen, 1998). Essa adaptação é orquestrada por vários sistemas alostáticos interconectados: o eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (HPA) que libera cortisol; o Sistema Nervoso Autônomo (SNA) com seus ramos Simpático (ativador) e Parassimpático (calmante); e os sistemas Imunológico, Metabólico e Cardiovascular, cada um com seus mediadores específicos.

Quando um estressor é percebido, esses sistemas são acionados para uma resposta vital e protetora (Sapolsky, 2004; Chrousos, 2009). O problema reside na cronicidade. A ativação persistente desses sistemas, sem o devido retorno ao repouso, leva à carga alostática: o desgaste fisiológico acumulado, o «preço» da adaptação contínua, elevando o risco de disfunções e doenças crônicas (McEwen & Wingfield, 2003).

O Impacto Cognitivo da Carga Alostática

O estresse crônico e a carga alostática não afetam apenas o corpo; impactam profundamente nossas funções cognitivas. Níveis cronicamente elevados de cortisol podem prejudicar áreas cerebrais cruciais para memória, aprendizado e funções executivas como planejamento e foco (Sapolsky, 2004). Profissionais em ambientes digitais podem, assim, experimentar dificuldade de concentração, fadiga cognitiva e menor clareza mental.

Práticas Mente-Corpo: Ativando o Parassimpático e Construindo Resiliência Alostática

Felizmente, podemos ativamente reduzir a carga alostática. Práticas mente-corpo – como Yoga, Neuro Yoga, técnicas de Respiração Consciente (Pranayamas) e meditações como Yoga Nidra (componente do NSDR) – interagem diretamente com nossos sistemas alostáticos, especialmente através da ativação do sistema nervoso parassimpático.

Este sistema de «descanso e digestão» é crucial para desligar a resposta ao estresse. A respiração consciente (diafragmática, Nadi Shodhana) demonstrou aumentar a variabilidade da frequência cardíaca (VFC), um indicador de bom tônus vagal (Gerritsen & Band, 2018; Jerath et al., 2019). O Yoga e o movimento consciente ajudam a liberar tensão física e promovem calma, podendo reduzir cortisol e modular a atividade da amígdala (Gothe et al., 2019; Pascoe et al., 2017). Já a Meditação e Yoga Nidra treinam a mente a reduzir a ruminação e induzem relaxamento profundo, associado à maior atividade parassimpática e alterações benéficas nas ondas cerebrais (Sharma & Singh, 2022; Tang et al., 2015).

Ao engajar-se regularmente nessas práticas, desenvolvemos maior resiliência alostática: a capacidade de responder aos estressores eficientemente e retornar à homeostase mais rapidamente. Trata-se de «treinar» nossos sistemas para serem mais flexíveis e menos propensos ao desgaste. Integrar essas ferramentas no cotidiano dos profissionais digitais é uma estratégia essencial para mitigar os efeitos da carga alostática, proteger a saúde e cultivar bem-estar sustentável.

 

Confira a lista de pesquisas científicas usadas no conteúdo 

  1. Al-Maroof, R. S., Alhumaid, K., Akour, I., Salloum, S., Alahmad, G. M., & Al-kassem, A. H. (2024). Technostress and its impact on university students’ well-being and academic performance: A systematic literature review. Alexandria Engineering Journal, 90, 181-198.
    • Conceito de «tecnoestresse» e seu impacto no bem-estar.
  2. McEwen, B. S. (1998). Stress, adaptation, and disease: Allostasis and allostatic load. Annals of the New York Academy of sciences, 840(1), 33-44.
    • Conceito de alostase e carga alostática.
  3. McEwen, B. S., & Wingfield, J. C. (2003). The concept of allostasis in biology and biomedicine. Hormones and behavior, 43(1), 2-15.
    • Conceito de carga alostática e suas consequências.
  4. Sapolsky, R. M. (2004). Why zebras don’t get ulcers: The acclaimed guide to stress, stress-related diseases, and coping. Holt paperbacks. (Ou a edição específica que você usou).
    • Explica a resposta hormonal ao estresse (cortisol, catecolaminas) e o impacto do cortisol crônico nas funções cognitivas.
  5. Chrousos, G. P. (2009). Stress and disorders of the stress system. Nature reviews endocrinology, 5(7), 374-381.
    • Descrição da ativação dos sistemas em resposta ao estresse.
  6. Gerritsen, R. J. S., & Band, G. P. H. (2018). Breath of Life: The Respiratory Vagal Stimulation Model of Contemplative Activity. Frontiers in Human Neuroscience, 12, 397.
    • Como a respiração consciente pode aumentar a VFC e o tônus vagal.
  7. Jerath, R., Beveridge, C., & Barnes, V. A. (2019). Self-Regulation of Breathing as a Primary Treatment for Anxiety. Applied Psychophysiology and Biofeedback, 44(2), 107–115.
    • Reforçar o papel da respiração na modulação do equilíbrio autonômico (juntamente com Gerritsen & Band).
  8. Gothe, N. P., Khan, I., Hayes, J., Erlenbach, E., & Damoiseaux, J. S. (2019). Yoga Effects on Brain Health: A Systematic Review of the Current Literature. Brain Plasticity, 5(1), 105–122.
    • Apoiar a ideia de que o ioga pode reduzir cortisol e modular a amígdala.
  9. Pascoe, M. C., Thompson, D. R., Jenkins, Z. M., & Ski, C. F. (2017). Mindfulness mediates the physiological markers of stress: Systematic review and meta-analysis. Journal of Psychiatric Research, 95, 156–178.
    • Pratica de àsanas de ioga pode reduzir cortisol.
  10. Sharma, S., & Singh, K. (2022). Yoga Nidra Practice: A Way Towards Enhancing Mental Well-Being and Reducing Mental Stress. International Journal of Scientific Research and Publications, 12(12), 555-560.
    • Os benefícios da Meditação e Yoga Nidra no relaxamento, bem-estar e potencial equilíbrio cerebral.
  11. Tang, Y.-Y., Hölzel, B. K., & Posner, M. I. (2015). The neuroscience of mindfulness meditation. Nature Reviews Neuroscience, 16(4), 213–225.
    • Apoiar como a meditação (incluindo mindfulness) pode induzir alterações benéficas nas ondas cerebrais e promover clareza mental.

 

 

Deja una respuesta

Tu dirección de correo electrónico no será publicada. Los campos obligatorios están marcados con *